Ana Cláudia Jácomo
Ela
Em algum lugar no mundo, vivia uma mulher que tinha um sonho. Sonhava que, um dia, iria viver um grande amor. Por mais efêmeros que fossem seus relacionamentos. Por mais que a chamassem de tola e dissessem que amor era coisa de novela. Não se importava com o que lhe diziam. Com os rótulos que lhe eram atribuídos. Tinha coragem para verbalizar que tinha um sonho. E que era um sonho de amor.
Sonhava que, em algum lugar, existia alguém que a esperava, que também desejava encontrá-la. Ela era sua amada. Ele era seu amado. Embora não soubessem onde e quando iriam se encontrar. Acreditava que, um dia, em alguma circunstância, estariam diante um do outro e se reconheceriam no primeiro instante em que seus olhos se tocassem. Haveria um brilho diferente no olhar de cada um, cujo código apenas eles, aprendizes da espera, saberiam decifrar.Ela o procurava em cada olhar, em cada novo encontro, nas entrelinhas de cada relacionamento. Sentia saudade de alguém que não conhecia. Recordava o futuro. Por maiores que fossem os desencontros, o sonho a ajudava a perseverar na busca. Acreditava que quando o encontrasse tudo se tornaria mais belo. Que a cara da vida seria mais risonha. Que o mundo se tornaria mais viável. Isso fazia parte do sonho, e tinha liberdade para sonhar o que quisesse. Os dias não lhe pareciam iguais. Para quem tem um sonho, cada dia é novo, porque vem com ele a possibilidade do encontro com o objeto da espera. Era feliz porque tinha um sonho. E quem sonha acredita sinceramente já possuir o que deseja.
Ele
Em algum lugar do mundo, vivia um homem que tinha um sonho. Sonhava que um dia iria viver um grande amor. Por mais efêmeros que fossem seus relacionamentos. Por mais que lhe chamassem de tolo e dissessem que amor era coisa de novela. Não se importava com o que lhe diziam. Com os rótulos que lhe eram atribuídos. Era corajoso o bastante para assumir que tinha um sonho. De amor. Sonhava que, em algum lugar do mundo, existia uma mulher que já o amava. Não sabia onde ela estava, mas acreditava que viria, um dia. Que traria o prazer e a vida que nenhuma outra havia trazido. Também para ele, cada dia era um dia novo, porque o sonho lhe dizia que poderia encontrá-la a qualquer momento. Também ele era feliz, porque, em alguma região de seu sonho, ela já estava com ele. Não a conhecia, mas sentia a falta dela. Ele a procurava em cada olhar. Em todos os lugares. Não a encontrava, mas tinha um sonho. Quem sonha, busca.
O tempo
Muitos dias se passaram. Semanas. Meses. Anos. Com o tempo, vieram muitos encontros, que se foram sem deixar a mínima pista do amor que sonharam encontrar. Em algum ponto do caminho, depois de tanto buscarem, o peso da descrença esmagou o sonho. Entupiu as veias onde a vida se misturava com a esperança. E só uma coisa não pode faltar ao sonhador: a esperança. Esqueceram o ideal. Buscaram a cômoda e definitiva companhia de outras pessoas, que nada tinham a ver com seus sonhos. Concordaram com aqueles que lhes chamaram de tolos. Sentiram-se enganados, porque esperaram durante muito tempo algo que nunca encontraram. Que já acreditavam sequer existir. Acostumaram-se a ter só realidade, como a maioria das pessoas. Não se sentiam mais felizes e todos os dias pareciam absurdamente iguais.
O (des)encontro
Em certa ocasião, num mesmo lugar do mundo, passaram um pelo outro. Ele voltou e pediu uma informação qualquer a ela. Pela primeira vez, estavam diante do que sempre buscaram. Pela primeira vez, seus olhos se tocavam. Ao olharem nos olhos um do outro, tiveram a impressão de já terem caminhado naquele momento. Desconcerto. Por alguns segundos, emudeceram. Como se nenhuma pergunta houvesse sido feita. A emoção gritava algo que a razão não conseguia ouvir. Só a pele. Ela deu a informação. Ele agradeceu. Ao se afastarem, sentiram vontade de olhar para trás. De voltar. De dizer alguma coisa que a boca não sabia. Não olharam. Não voltaram. Não disseram mais nada. Cada um seguiu seu rumo. Confundiram-se novamente à multidão, onde se procuraram durante tantos anos. Juntaram-se para sempre ao exército dos covardes. Que têm armas voltadas para o melhor deles próprios. E que as disparam diante de qualquer possibilidade de ser feliz. E disseram para os filhos de seus filhos que amor era coisa de novela...
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